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terça-feira, 27 de maio de 2008

25- 2004: Um Ano de Grandes Acontecimentos...

Vou começar o ano de 2004 contando tudo que aconteceu em relação ao benefício de auxílio-doença que deixei de receber em 2003. Aí faço uma emenda com o post anterior para que o raciocínio não se perca.

Quando 2004 começou, eu já estava uma pilha de nervos por causa da falta de dinheiro. Estava recebendo regularmente pelo número novo do benefício, mas o não recebimento dos meses de outubro e novembro/03, mais o 13º, estavam fazendo muita falta. Tive que atrasar os pagamentos normais e ainda não havia conseguido me regularizar perante o banco. Estava com saldo negativo e, pela cobrança de juros, nem que a Previdência repusesse o dinheiro que me devia corrigido, não iria conseguir voltar à situação anterior. Isso me proporcionava um desespero terrível.

No início de 2004 foi necessário fazer um empréstimo para pagar a matrícula na faculdade e, mais à frente, fiz outro para pagar o plano de saúde que estava atrasado há 3 meses e eu corria o sério risco de perdê-lo. Como eu havia dito antes, nunca antes havia feito dívidas dessa forma. Não sabia lidar bem com isso ainda. Enfim, pela Previdência as coisas haviam se normalizado. Tinha perícias regulares e os pagamentos eram depositados em dia. Quanto aos meses atrasados, durante o primeiro semestre desse ano, compareci 8 vezes na Previdência para tentar resolver. O "0800" só fazia passar raiva. Era preciso ir pessoalmente. Nova maratona de filas e madrugadas. O problema é que nunca conseguia resolver nada. Em uma das vezes, estava tão nervosa com a situação que chorei copiosamente na frente de todos os funcionários e pessoas que estavam sendo atendidas. Tudo bem que sou uma chorona assumida, mas não costumo chorar em público, como uma criança desesperada. E foi exatamente o que fiz. Mas de nada adiantou.

Por volta de julho, novo empréstimo, claro. Era o mês de matrícula novamente. Para vocês entenderem, a faculdade divide o curso em períodos de 6 meses cada. Eu tinha 40% de crédito rotativo, mas a matrícula deve ser feita integralmente. Nessa época era algo em torno de R$800,00 (oitocentos reais). O não recebimento dos meses de 2003 do auxílio-doença estava me levando para um buraco financeiro que eu não sabia quando iria ficar regularizada novamente. E agora já eram 3 empréstimos a pagar.

Por volta de agosto, desisti de brigar, pelo menos até recuperar minhas forças. Estava muito desgastada física e emocionalmente. A parte física vou relatar daqui a pouco. Voltando à Previdência. Em setembro, em visita a uma amiga que trabalhava com contabilidade e tinha uma grande experiência em batalhas judiciais, contei o que estava acontecendo comigo financeiramente. Ela se propôs a me ajudar e me deu algumas orientações. Redigimos uma carta direcionada à Previdência relatando o ocorrido e todas as minhas tentativas (frustradas) de conseguir resolver a situação: "0800", e-mails (6 ao todo) para a ouvidoria, visitas em pessoa à sede. Levaria em duas vias, pediria autenticação de recebimento e avisaria que em 10 dias entraria com um processo contra a Previdência. A briga agora seria na base da lei.

Não deu outra! Em uma semana me ligaram, calcularam os valores atrasados comigo pelo telefone e, uma semana após o telefonema o dinheiro estava na minha conta. Como eu havia imaginado, o dinheiro não foi suficiente para pagar as contas atrasadas e sair do "vermelho". Mas consegui relaxar. Era um problema a menos para pensar.

Durante esse ano de 2004 desenvolvi três amizades especiais em momentos e formas diferentes. Estava numa fase de solidão (tinha afugentado todos de perto de mim de novo!) e essas 3 pessoinhas lindas precisavam de mim como uma pessoa mais vivida que eles. Foi uma troca muito legal e gostosa. São mais novos que eu, mas com uma sabedoria imensa, que ser for aliada à prática do bem, serão criaturas valorosas ao mundo. Com um deles a amizade perdura até hoje (2008). Podemos ficar longe por meses, mas nosso afeto não diminui. O carinho mútuo que temos é algo muito difícil de explicar. É como se cuidássemos, com muito zelo e naturalidade, um do outro. Enfim, esse trio fez a diferença em mim durante esse ano com experiências inesquecíveis. Tivemos momentos bons, de alegria. E momentos ruins, mas de bastante aprendizado.

Mudando prá outro momento desse ano... Na faculdade... Em 2004 fiz o 4º período no primeiro semestre do ano. Foi o período mais apertado para mim. As matérias já eram bem específicas, exigia um estudo de nível bem teórico sobre as patologias em si e sobre a postura do Enfermeiro na prática: os exames e as condutas durante uma consulta de enfermagem. Aprendi demais. Entendi que, para poder cuidar de forma coerente, precisava saber as causas e origens das doenças. E que cuidar, é muito mais que tratar essas doenças: é tratar o ser humano.

Já no segundo semestre, 5º período do curso, foi a época do meu 1º estágio supervisionado. Fui a campo mesmo, praticar a teoria aprendida até agora. Passei por vários setores de vários hospitais: clínica médica, CTI, Bloco Cirúrgico, internação. Cada um foi marcante do seu jeito, e, em cada um, me envolvi de forma diferente e especial. Nos setores de Clínica Médica e Internação a gente consegue ver de tudo um pouco e praticar várias técnicas também. São dois campos ricos em prática e aprendizado. Em CTI o contato com o paciente é menor no que se refere a interação, pois a maioria está inconsciente. Mas aprendi a fazer alguns procedimentos muito interessantes e a entender o que acontece, na realidade, nesse universo fechado dos tratamentos intensivos. E no Bloco Cirúrgico, o estagiário de Enfermagem não realiza muitos procedimentos. São poucos, aliás. Mas você vê e participa de cirurgias simples e complexas. Passa a ter uma noção melhor de contaminação. Foi um ano prazeroso na minha vida acadêmica, tirando um pequeno detalhe: precisei de uma nova cirurgia...

No próximo falarei específicamente sobre a minha saúde, mas precisava desta "introdução" para mostrar a relação do emocional com o físico...

Bjins!!!!!


terça-feira, 20 de maio de 2008

24- Olha o Emocional novamente...

Oi, pessoal!

É incrível como o fator emocional é um tema de interesse geral quando falamos de Crohn. E tem gente que acha que não existe a relação... se não existisse, os pacientes não sentiriam essa necessidade absurda de aprofundar no tema. Recebi algumas perguntas, principalmente sobre o fator emocional ser a causa da Doença de Crohn. Não me sinto apta para dar essa resposta, portanto resolvi fazer uma pesquisa na internet para que cada um possa tirar suas conclusões.

Cada afirmativa virá entre aspas com a referência logo após, entre parênteses, ok? Isso é importante para que os devidos créditos sejam dados, mesmo (e principalmente) os que estiverem em desacordo.


Durante a pesquisa descobri algumas coisas interessantes, como o ponto de vista de um site de um laboratório, afirmando que o estresse físico ou emocional reduz a resistência do corpo à inflamação, sendo que na verdade a gente acha que faz aumentar a reação inflamatória. São sutilezas que passam desapercebidas e que somente estudando a fundo o assunto podemos entender melhor.

Esse mesmo site alerta para que o paciente não confunda esses quadros de recaída em função do estresse com a causa primária da doença. Essa sim é a grande dúvida dos especialistas em DII. A causa... Mas esse laboratório afirma: "A doença inflamatória intestinal não é causada por questões emocionais, nem por nada que o paciente possa ter feito ou deixado de fazer." (http://www.mantecorp.com.br)

Quando li essa afirmação, achei estranho. Se ainda não se sabe a causa da doença, como pode-se afirmar o que NÃO é a causa? Aí achei outro site de um médico onde ele diz da mesma forma: "Embora estresse não possa causar DII, ele pode fazer com que seus sintomas fiquem muito piores e pode desencadear uma recaída. Eventos estressantes podem ser desde uma pequena encomodação até algo pior, perda de emprego ou morte de uma pessoa querida." (http://www.angelfire.com/al/jbueno/index.html#visao) Vejam que ele diz que estresse NÃO pode causar DII.

O que temos comprovado pela ciência até agora? Já sabemos que quando estamos tensos nossa digestão muda porque o estômago esvazia de forma mais lenta e secreta mais ácido. E esse médico também diz que "estresse pode também acelerar ou diminuir a passagem de fezes através de seu intestino. Isso pode, também, por si só, causar mudanças no tecido intestinal." E logo em seguinda ele cita algumas técnicas para manejar o estresse (Exercício, Ioga, massagem, meditação, entre outras).

Agora, uma coisa é certa... não sabemos ainda se é a causa, mas o emocional fica abalado quando se tem a doença ativa. Imaginem a vida com idas constantes ao banheiro diariamente... eu, quando em crise, vou de 10 a 15 vezes! Fica complicado até para sair de casa. E aí ficamos mais estressados ainda. Resumindo... uma verdadeira bola de neve: estresse, crise, mais estresse, piora da crise, etc. E os gases??? Isso sem citar as dores abdominais (cólicas). Juntando o constrangimento que sentimos em público, o isolamento por ficarmos em casa e a ansiedade por termos todas essas limitações, como ficar emocionalmente equilibrado? E aí, se bobearmos, lá vem a tal da depressão...


Mas uma coisa que esse mesmo médico disse me agradou profundamente. Sempre digo isso ao pessoal do GADII: "Uma das melhores maneiras de ter controle sobre essa situação é conseguir o máximo possível de informação sobre a Doença Inflamatória Intestinal (DII). Além do que você conversa com o seu médico, procure por informações em livros e na internet. Será especialmente importante conversar com pessoas que estejam na mesma situação que você." (http://www.angelfire.com/al/jbueno/index.html#visao)

Saber o máximo sobre a doença é a melhor arma para conviver bem com ela.

Como durante a pesquisa encontrei a maioria dos sites afirmando não existir relação do início da doença com o fator emocional, mas sim com o desencadeamento das crises, achei melhor procurar mais... vejam esse parágrafo do site de outro laboratório:

"Como o corpo e a mente estão estreitamente inter-relacionados, o estresse emocional pode influenciar a evolução da doença de Crohn ou de qualquer outra doença. Embora problemas emocionais agudos algumas vezes precedam o início ou a recorrência da doença de Crohn, essa seqüência não implica uma relação de causa e efeito." (http://www.astrazeneca.com.br)

E seguindo a mesma linha de raciocínio, achei um artigo da Bibliomed que diz assim:

"A DC não é causada pelo estresse emocional, mas alguns pesquisadores afirmam que situações de grande ansiedade são responsáveis por boa parte das crises. Outros especialistas afirmam que os sintomas emocionais provavelmente são manifestações associadas à própria doença em si. (...) (...)A aceitação do diagnóstico de DC pode acarretar uma série de emoções, desde raiva até uma falsa sensação de alívio por finalmente saber o que está acontecendo. O mais importante é não se perder em sentimentos negativos, de autopiedade, culpa ou solidão." (http://boasaude.uol.com.br)

Enfim... na minha (humilde?) opinião, faltam aos profissionais da saúde ouvirem um pouco mais os pacientes de DII. Tenho CERTEZA que todos tem algo a contar sobre seu emocional. Não precisa ter acontecido algo grave para ter sido dado o "start". No meu caso, por exemplo, foi o acúmulo de coisas ao longo dos anos. Sabe quando a gente vai engolindo aquele tanto de sapos e não vomita depois? Pois é... não saiu por cima, resolveu sair por baixo...

O que vocês pensam a respeito? Acho que seria interessante fazer uma enquete prá ouvir a opinião de todos, o que vocês acham?

Opinem para que eu possa dar um rumo ao assunto, ok? Quem conseguir algum material idôneo a respeito, pode me passar pra que seja divulgado aqui também.

No mais, até o próximo post!


Bjim...

terça-feira, 13 de maio de 2008

23- Finalizando o ano de 2003

Vamos então à segunda metade do ano de 2003.

Após a cirurgia da fístula, recomecei a corticoterapia (uso de corticóide). Ajudou e muito em minha recuperação, mas, é claro, engordei horrores. Já era a segunda vez que engordava dessa forma, desde que descobri a doença. Sabia que era efeito do corticóide e que quando parasse de tomá-lo, voltaria ao meu peso. Era verdadeiramente uma sanfona (engorda, emagrece, engorda, emagrece...). Brincava dizendo que possuía dois guarda-roupas: um quando tomava corticóide e outro quando não tomava. Só que essas “engordas” me deixavam muito prá baixo e chateada. Nem preciso dizer como estava minha estima, não é mesmo?

Comecei o 3º período do curso de Enfermagem. Na faculdade, as coisas corriam tranqüilas. Estava no pique dos estudos novamente e as disciplinas estavam muito interessantes e motivadoras. Admito que estava com muitas dificuldades de estudar. O método que tinha há anos atrás, na época de colégio, não funcionava mais. Estava ainda em adaptação. Reaprendendo. Mas esse desafio me fazia bem. Eu me sentia viva e lutando por algo além da sobrevivência por causa da doença.

Um fato bom aconteceu... aliás, um fato muito importante, que abriria portas mais à frente. Por causa da “briga” com a SES, conseguimos que uma das integrantes do GADII, que trabalhava na época na Assembléia Legislativa de Minas Gerais (ALEMG), marcasse uma audiência pública com um dos deputados que integravam o Comitê de Saúde. A audiência foi marcada para agosto/03 e várias pessoas estavam presentes, incluindo o representante do Ministério da Saúde. O deputado em questão falou, minha médica, representantes do governo, e eu em nome do GADII. Ainda não tinha muita noção do que isso tudo representaria à nossa luta. Meu discurso não foi programado, falei o que me veio à cabeça. Inclusive fiquei emocionada.

A sessão terminou, todos se cumprimentaram e me preparei para ir embora, levando comigo mais essa experiência. Quando estava saindo, fui abordada por uma mulher, que se identificou como advogada do Ministério Público. Disse que se interessou pela causa e gostaria que eu fosse depor (ou algo parecido, não entendo bem esses termos) no Ministério Público. Conversei com o pessoal, minha médica e achamos que isso sim, já era uma vitória. No dia marcado compareci e dei meu depoimento. Anexamos os documentos e relatórios necessários e tive a promessa de que eles conseguiriam que a portaria fosse cumprida. E realmente a promessa se cumpriu. Desde então, todos os medicamentos da portaria estão disponíveis na SES de Belo Horizonte para os pacientes de Doença de Crohn. E, se algum dia qualquer um desses medicamentos faltasse, poderíamos recorrer ao Ministério Público para que a questão fosse resolvida de uma forma mais rápida e sem prejuízo à saúde.

Essa pequena conquista atraiu os olhares de vários profissionais para o GADII. Começamos a ser mais respeitados como grupo e vários médicos chegaram para apoiar freqüentando as reuniões e indicando pacientes. Um médico muito amigo da minha médica foi levando, em uma das reuniões, seu filho, bacharel em psicologia, que estava disposto a aprofundar no assunto, já que a medicina considera o fator desencadeante das DII o desarranjo emocional. E conhecemos então esse psicólogo que se apresentou e se dispôs a contribuir com o grupo da forma que pudesse. Conversei com ele e sugeri que fizesse uma espécie de convênio com os pacientes do GADII, por dois motivos. Primeiramente porque sabíamos que a maioria dos pacientes que freqüentavam as reuniões eram de poder aquisitivo baixo e não fazia parte da realidade deles um acompanhamento psicológico. Segundo, pela experiência que tive, não havia muito interesse em fazer terapia pois a maioria dos profissionais nem sequer sabiam o que era uma Doença Inflamatória Intestinal. Isso, aliás, foi o que me desmotivou a procurar novamente um. Ele topou fazer o convênio e, de imediato, conseguiu 3 clientes, todos do GADII, sendo que uma era eu mesma.

Fiz algumas sessões e foi a melhor experiência com psicólogo que tive. Era outro nível de interesse, diferente do profissional frio, calculista. Ele conhecia detalhes da doença, as manifestações, tudo. Após dois meses tive que parar porque fiquei realmente sem dinheiro. O que recebia de auxílio-doença era a conta certa prá pagar a faculdade (sem ela ia precisar de mais que terapia), o plano de saúde (meu e da filhota), condução e algumas despesas essenciais.

Mas esse semestre não podia caminhar sem intercorrências, certo?

Estamos agora em outubro/03... Tive retorno na médica e a fístula estava bem, obrigada!

A partir dessa consulta, minha medicação iria dar uma estabilizada.

  • Azatioprina 150 mg – 2 comp. pela manhã e 1 à noite
  • Mesalazina 2,0 g/dia – 2 comp de 8/8 horas
  • Fluoxetina – 20 mg/dia – à noite

Mas aqui também começa uma confusão que me tirou do sério... Eu tinha uma perícia da Previdência marcada para o dia 16, a fim de renovar o auxílio-doença, mas recebi uma carta transferindo para o dia 21. Nesse dia estava marcada uma prova na faculdade, no mesmo horário da perícia. Liguei então para o famoso 0800 de lá e consegui remarcar para 12 de novembro/03.

Compareci na data marcada e fiquei esperando. O médico chamou todos os pacientes, mas em momento algum citou o meu nome. Questionei uma funcionária a respeito e ela anotou meu nome para ir até a lista do médico consultar meu horário correto. Depois de uns 20 minutos ela retorna dizendo que meu nome não constava na lista do perito. Mostrei então a minha carta com a marcação e remarcação, quando telefonei no mês anterior. Ela então verificou no sistema e descobriu que, devido a uma greve ocorrida pelos peritos, meus dados não foram computados, acusou um código “DCI há mais de 60 dias”. Disse a ela que, por ser erro do sistema e não meu ou dela, que não sairia dali sem a minha consulta. Ela disse que realmente não seria possível e marcou uma nova consulta com um médico contratado pela Previdência.


Resultado disso tudo foi que fiquei sem receber o benefício de outubro e novembro/03 e também o décimo terceiro salário. Isso porque o médico que me atendeu em dezembro/03 abriu automaticamente um novo número de benefício para mim. Comecei a receber por esse número em janeiro/04, referente a dezembro/03. Mas os meses que citei acima, fiquei sem receber. Esse assunto só seria resolvido em novembro/04, mas chegarei lá ainda. Só gostaria que imaginassem como estava meu psicológico. Sem dinheiro no final de ano, com matrícula para pagar da faculdade, compra de material escolar e uniforme da minha filha.... afff... parece que nunca ia ter um pouquinho de sossego. Era um problema atrás do outro. Para ser sincera, nem conseguia “curtir” a doença em si. Tinha sempre um tanto de outras coisas acontecendo. O problema é que não eram coisas boas...

segunda-feira, 5 de maio de 2008

22- Ainda a Fístula...

Continuando o ano de 2003 e ainda em Fevereiro, mudamos a dosagem do imunossupressor (azatioprina). Passamos para 150 mg ao dia. No relatório para a SES, justificando o aumento da quantidade, foi escrito que era necessário aumentar a dose devido à recrudescência de sintomas. Comecei a tomar 2 comprimidos pela manhã e 1 comprimido à noite.

Nesse interim, minha médica fez drenagem de secreção do abcesso com pûs pela vagina, referente à fistula, e disse que a mucosa do canal anal estava irregular e em processo inflamatório. Receitou Mesalazina enema. A mesalazina é um antiinflamatório intestinal e, por ser enema (líquido a ser introduzido pelo ânus) atua com mais rapidez.

Abaixo, o esquema de aplicação constante na bula para vocês entenderem como é a colocação:

E eu achava que supositório era ruim... mas o enema nem se compara! O que me fez não desistir foi saber que dependia desse processo via ânus para melhorar com mais rapidez.

Enquanto isso, voltei para o segundo período na faculdade, mas nem imaginava como faria para pagar as mensalidades. Isso estava acabando comigo por dentro. Ia guardando esses pensamentos e sentimentos todos para mim. Não deu outra.... em Março voltei a ter secreções vaginais e febre. Mas dessa vez a secreção era mais espessa e, no lugar do abcesso, sentia muita dor. Quando ficava sentada muito tempo, começava a incomodar. Avisei minha médica e no dia da minha consulta, já não suportava nem ficar sentada, tamanha a dor na região.

Enquanto estava na mesa de exames do consultório, ela deu umas "apertadas" no abcesso. Nem preciso dizer o que tive vontade de gritar, né? Doeu demais. Com isso, conseguiu drenar um pouco e aliviar a dor. Mas ela disse que só aquilo não resolveria. Drenou daquela forma para que eu sentisse um pouco de alívio, mas logo estaria do mesmo jeito ou pior. O melhor seria drenar no bloco cirúrgico com anestesia e bisturi. Ainda bem que eu estava sentada. Se estivesse em pé poderia cair, tamanho foi o susto. Ela ainda disse que a glândula de Bartholin esquerda estava inchada (glândula que secreta muco para hidratar a região da vulva, tem uma de cada lado).

(desenho esquematizado de uma fístula como a minha)

Saí do consultório e comecei a providenciar os exames necessários para o risco cirúrgico. No Hemograma, as únicas alterações foram a hemoglobina e o hematócrito que estavam baixos (anemia... de novo ou ainda?) e os Linfócitos com 16%. O exame cardiológico também estava normal. Pronto! Encarar o hospital novamente...

Antes da cirurgia, comecei a sentir outro tipo de dor no mesmo local do abcesso. Era uma dor que me fazia curvar o corpo. Se eu estivesse sentada, até pulava da cadeira. Fiquei sabendo que eram “espasmos” do assoalho pélvico. Espasmos são contrações involuntárias e repentinas. O assoalho pélvico já mostrei na figura do post anterior. Agora, juntem esse espasmo e a dor do abcesso que, claro, era cutucado nesse momento. Não via a hora de fazer a drenagem.

No dia 15 de abril de 2003 estava na recepção do hospital logo cedo, esperando a parte burocrática da internação ficar pronta. Ia operar naquela manhã e, se tudo corresse bem, dormiria no hospital e voltaria para casa na manhã seguinte. Finalizado o processo da papelada, já fui direto para o Bloco Cirúrgico. Na verdade, queria ver cada detalhe das salas, dos equipamentos e de tudo que fizesse parte daquele mundo que eu escolhi participar: a área da saúde.

Mas estava um pouco nervosa e não consegui relaxar para observar os detalhes. Lembro de ficar esperando, dentro do Bloco Cirúrgico, sentada em uma cadeira de rodas. Aproveitei e rezei. Pedi a Deus que me ajudasse naquele momento e que guiasse as mãos de minha médica da melhor forma possível e que a cirurgia atendesse ao propósito. Sabia que era uma cirurgia simples, mas, mesmo assim, a gente fica inseguro. Mas eu tinha fé de que tudo ia se ajeitar.

Quando minha médica chegou, me levaram para a sala onde ficaríamos e deitei na mesa (dura e fria). Ela ligou um aparelho de som, com músicas tranqüilas. Aquilo me acalmou um pouco. Todo mundo conversava. Nem parecia que eu estava ali e que seria o foco principal daquela “reunião”. Até que minha médica chegou perto e me apresentou o anestesista (jamais esquecerei aqueles olhos azuis... rs). Ele explicou que seria uma anestesia local e que induziria meu cérebro a dormir. Puncionaram uma veia em mim, para que o soro pudesse correr, juntamente com o anestésico. Depois disso, o anestesista pediu que eu contasse de 1 a 10, só que de trás prá frente. Acho que contei até o 8 (10, 9, 8,...)... Fiquei sabendo depois que, enquanto estava anestesiada e “apagada”, me viraram de barriga para baixo pois o posicionamento assim seria melhor. Como eles fizeram isso? Minha médica jurava prá mim que eu ajudei, mas não me lembro de nenhum detalhe após a contagem. Depois disso minha primeira lembrança era a chegada no apartamento com meus pais e meu bebê à minha espera.

Abaixo, transcrevo os dizeres técnicos do processo da internação e cirurgia:

ACHADOS CIRÚRGICOS: fístula reto-vaginal a esquerda baixa, com processo infeccionado.
TÉCNICA CIRÚRGICA
: dissecção e ressecção do trajeto fistuloso após sua identificação com estilete. Hemostasia. Correção da musculatura do assoalho pélvico.”

Dissecção é a exploração de uma determinada região do corpo através de cortes.
Ressecção
é a remoção de um órgão ou parte de um corpo.
Hemostasia
é o controle da hemorragia.

A cirurgia em si é muito simples, mas a recuperação.... Doía para sentar, mas não porque encostasse em algum lugar. Era apenas o fato de abaixar e forçar. Doía na cadeira, na poltrona, em cima de almofadas, no vaso sanitário, enfim, em qualquer lugar em que fizesse essa posição. Fui até a faculdade só para fazer provas. Ia sempre levando uma almofada. Foi bem demorada essa fase. Continuei com secreção e processo inflamatório no períneo. Entramos novamente com o corticóide 20mg.

Bem, aqui entra um fato importantíssimo... Eu saí do emprego no final de agosto/02, e já estamos em abril/03. E durante esse tempo todo não consegui arrumar emprego. Imaginem a minha angústia. Continuar estudando sem poder pagar o curso e sem perspectivas de conseguir emprego. Até alguns “bicos” que fazia (trabalhos no computador, aulas particulares) estavam escassos. Parece que todas as dificuldades chegam juntas, na mesma hora. Angústia era pouco para o que sentia. Mas guardava tudo prá mim. Ninguém sabia como me sentia por dentro. E dessa vez não era por opção, mas justamente por falta dela. Não enxergava ninguém com quem pudesse me abrir verdadeiramente. O Crohn é tão danado que visualmente ninguém desconfia que você tem uma doença. Qualquer coisa que você for comentar ou reclamar, fica parecendo frescura. O jeito era guardar mesmo.

Uma preocupação que todos sabiam que eu tinha era o lado financeiro e, no mês de maio/03, uma tia me alertou que, como eu não conseguia emprego em função da doença, eu podia requerer, junto à Previdência Social, o pedido de auxílio-doença. A Previdência concedia um prazo de carência que ela não sabia ao certo de quanto tempo era, mas que achava que meu caso ainda estava no prazo. Realmente estava. Providenciei toda a papelada exigida (laudos de exames, relatório médico, carteira de trabalho, documentos pessoais) e fui para a fila (hoje existe agendamento via telefone: 135). Não vou aqui detalhar o tamanho das filas que precisávamos enfrentar, porque todo mundo assiste reportagens na televisão a respeito. Nessa época, o prédio da Previdência que eu deveria comparecer ficava em frente a um restaurante. E como chegava lá ainda escuro, víamos coisas absurdas: ratos enormes e brancos entrando e saindo por frestas das portas de aço do restaurante (ainda fechado), ambulantes abrindo tampas de bueiros das calçadas e retirando de dentro frutas e legumes que mais tarde seriam vendidos nas ruas, e mais coisas que me chocaram menos. Fiquei muito assustada com essas imagens. Continuando, gostaria de frisar que só consegui senha para atendimento na quarta tentativa. Foi um dia em que cheguei na fila às 04:00h da manhã. E saí de lá às 14h. Mas não reclamei em momento algum. Nem na fila, com os outros que reclamavam sem parar, nem com minha família, nem na faculdade, nem comigo mesma. Estava feliz porque podia estar conseguindo a chance que precisava para continuar o curso e me livrar daquela preocupação. Enfrentar aquelas filas não eram nada se comparado com o alívio que sentiria, caso conseguisse o auxílio-doença.

Dei entrada com a papelada e marcaram a minha primeira perícia. Se passasse por ela, depois só haveriam retornos para a definição do cancelamento do benefício ou continuidade. No dia agendado, estava lá com novo relatório médico e meus documentos. O médico mal olhou em meus olhos. Leu o relatório, digitou todo seu conteúdo, imprimiu o relatório da perícia, pediu que eu assinasse e me deu uma via. Lá marcava uma nova data para uma nova perícia. A partir daquele momento começaria a receber o auxílio-doença.

Saí de lá cansada, com os pés e pernas muito inchados. Estava tão cansada que nem sentia fome. Cheguei em casa, entrei no chuveiro, tomei um banho prá relaxar e caí na cama. Tudo que eu queria era esticar meu corpo. Só levantei bem depois para comer alguma coisa, mas estava aliviada. Poderia continuar estudando por hora. Não conseguia trabalhar na situação em que estava, após a cirurgia da fístula e com minhas intercorrências ao banheiro. Quanto à faculdade, seria menos difícil frequentar. Era somente pela manhã, podia faltar, caso precisasse, e se minha médica achasse que eu estava abusando, me dava um atestado médico e eu receberia a matéria completa em casa. Portanto, continuei meu curso.

Um pouco antes das aulas desse semestre terminarem, em junho/03, dei entrada na Secretaria de Saúde com o pedido para começar tratamento com mais um outro remédio: Mesalazina. Eis o relatório:

“A paciente é portadora de Doença de Crohn íleo-reto-perineal, em uso de imunossupressor (azatioprina) e mesmo assim em crise (fístula reto-vaginal). Necessita mesalazina para controle da crise em associação ao medicamento já em uso.”

Bom... esse medicamento não era distribuído pela Secretaria da Saúde daqui de Minas Gerais. Mas já existia uma portaria (nº 1.318/02), do Ministério da Saúde, onde afirmava que tal medicamento estava incluído na lista de medicamentos excepcionais que deveriam ser fornecidos gratuitamente aos pacientes de Doença de Crohn. Resolvi então, entrar numa “briga”.

Qualquer mobilização que eu pensasse em fazer precisava antes de provas reais de que a SES não possuía o medicamento a ser fornecido. Portanto, entrei com os papéis para abrir novo processo. Fiz a requisição e aguardei o parecer técnico da SES. No parecer constava que o medicamento não estava disponível.

De posse desse parecer, consegui a ajuda de um advogado que impetrou um Mandado de Segurança com pedido de liminar contra a SES de Minas Gerais. Aleguei várias coisas:

  • ser portadora da Doença de Crohn;
  • necessidade do uso contínuo da Mesalazina com suas respectivas dosagens;
  • o preço do medicamento na praça;
  • citei a portaria do Ministério da Saúde;
  • o parecer técnico da SES;
  • a falta de cura da doença, e que o objetivo do tratamento é o controle dos sintomas e das complicações;
Com isso, requeri a concessão de liminar para a provisão gratuita do medicamento, independente de licitação.

No dia 31 de julho/03 o Juiz decidiu que a SES deveria promover a aquisição urgente e imediata do medicamento. A liminar foi deferida para que eu pudesse adquirir o medicamento através da SES enquanto houvesse recomendação médica. Essa foi a primeira vitória que levei para o GADII...