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quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Em silêncio

Foi a quinta experiência invasiva desde o ano de 2000. E dessa vez foi bastante diferente das outras, porque senti medo. Porque estava frágil. Porque estava sozinha. Tinha pelo menos dez pessoas comigo que eu podia contar em aspectos variados, mas ainda assim eu estava só. E quero muito deixar claro que isso é opção minha, nunca foi condição da vida. 

Tive um ano puxado emocionalmente, onde vivi a vida e a morte de umas pessoas e vivi na vida e morte de outras. Claro que sei que experiências são válidas em todos os níveis, e pretendo chegar naquele dia em que começo a entender tudo de bom que conquistei com tudo de ruim que aconteceu. É um processo e esse entendimento, apesar de fazer parte, só depende de mim. Mas antes de entender eu preciso aceitar algumas coisas, algumas situações que a vida me impôs. Aceitação passiva é o mesmo que fé cega. E gosto de enxergar a razão, independente de quem tem a razão.

A morte rodeou meu espaço por diversas vezes, e aqui incluo o espaço de pessoas que amo também, porque não é só a dor do outro que a gente sente, mas a vivência do luto também. E no luto.... chorar não diminui a dor, falar não diminui a dor, dormir não faz o tempo passar e a passagem do tempo não diminui a dor.

Enquanto estudava pra me graduar, fui ficando fascinada com a parte da Enfermagem que trata do cuidado. Do cuidado com o outro. E que apenas recebendo esse cuidado o paciente consegue melhorar muito sua própria situação física. E não é algo que é necessário conquistar diploma pra se ver, aliás, é muito simples até. Mas demanda esforço, dedicação, e não há pessoas disponíveis para tanto. Hoje a desospitalização rápida é necessária para a redução das infecções hospitalares. Mas isso não significa que o paciente não precisa mais de cuidados. O banho que ele precisou de ajuda na parte da manhã enquanto estava no hospital, ele continuará precisando na parte da tarde quando já estiver em casa.

A minha cirurgia passou, o objetivo foi almejado, mas a recuperação foi de surpresas. Ou melhor, a não recuperação. Vários episódios de reflexo vasovagal acompanhados de vômito intenso me deixaram fraca, sem ânimo e rendeu uma deiscência que vai afetar meus próximos dois meses, pelo menos. 

E eu preciso contar pra alguém como foi a cirurgia, mas ninguém que é da área da saúde me perguntou. Farei isso nesse parágrafo. Ficará embolado, mas se não quiser ler esses detalhes, pule para o próximo. É meu jeito de desabafar. Então... estava agendada para o dia 02/12/13 (segunda-feira), às 14h. Me levaram para o bloco às 13h30 e me lembro de olhar no relógio da parede quando a anestesita disse que ia me apagar. Eram 14h10. Eu iria tomar anestesia geral e peridural e então ser intubada. Minha própria médica passou a sonda vesical e o plano era retirar o estoma e a parte do intestino grosso que estava doente. Esse seria o primeiro momento. Deu certo. O pedaço estava bem ruim, com muitas aderências, media uns 15cm e pesava uns 500g. Então, pela incisão já existente, foi feita a correção da hérnia com a colocação de tela. Fez outra incisão do lado oposto do abdomem onde se confeccionou nova colostomia. A cirurgia começou por volta de 15h00 e terminou às 19h00. Ainda no bloco, a anestesista me extubou e me acordou pra saber se tava tudo bem. Tive meu primeiro episódio de desmaio seguido de vômito. Fui para o CTI e minha madrugada foi bem desgastante com a paciente vizinha que estava com confusão mental e gritava o tempo todo e retirava os acessos. Tiveram que sedá-la e amarrá-la na cama. Pela manhã da terça-feira, tive novo episódio de desmaio e vômito, mas disseram que não fechei os olhos e que parecia mais uma convulsão que um desmaio. Minha médica achou que poderia ser reação de um dos antibióticos com o restante da anestesia que ainda tinha pelo organismo. À tarde fui para o apartamento. E lá, novo episódio de vômito. Não desmaiei, mas foi quase. Mas estava apenas com Ludi e ela meio que baqueou com isso. E na manhã do dia seguinte (quarta-feira), mesma coisa. Com isso tudo acontecendo eu estava só no soro, sem alimentar desde o domingo. Nem água direito eu podia tomar com medo de vomitar. Dores abdominais fortes por causa dos movimentos involuntários do episódios de vômito e também por causa da própria cirurgia, onde todo meu abdomem foi mexido e remexido. Fraca. Com uma cicatriz com curativo e um estoma novo, em lugar novo do abdomem pra adaptar. E juntando tudo isso, eu estava com uma dor de cabeça desde a madrugada pós cirurgia. Mas uma dor muito mais forte que costumo sentir. Tão forte que me tirava o fôlego para qualquer tipo de conversa, mesmo com os médicos e parentes. Uma dor de cabeça que incomodava mais que a dor do abdomem. Uma dor de cabeça que me fez chorar. E então, na quarta-feira à noite, uma das médicas me deu uma dose dupla de um analgésico que não posso citar o nome publicamente que fez a dor sumir completamente. Foi o primeiro alívio que senti após a cirurgia, já que voltei da anestesia vomitando e nem deu tempo de agradecer o fato de estar viva. Na quinta-feira, pela manhã, tive alta.

A minha alta não foi por estar em excelente estado, mas por ter condições de recuperar em casa e, assim, evitar uma infecção hospitalar. Mas quem disse que as pessoas sabem disso? Por isso preferia ficar no hospital... poderia ter todos os cuidados que não conseguia fazer sozinha e me recuperava melhor antes de voltar pra minha cama. O resultado disso foi que na sexta-feira, a incisão começou a drenar seroma. No sábado eu estava com uma abertura de uns 3cm na incisão, e então evoluiu pra uma deiscência que hoje, 11/12, está com quase 15cm e com exsudato. Aí olha que legal: eu, que deveria estar de repouso, estou cuidando da minha própria ferida pós-operatória. Dor? Ah, é... ainda tem a dor. 

Então é isso... hoje fazem 10 dias da cirurgia e a sensação que tenho é que foi pra pior. Claro que tenho consciência que não, pois a cirurgia deu certo. Mas estou pior emocionalmente, estou com mais dores, estou mais chateada com todo mundo, estou com mais pressa que tudo termine logo. E por "tudo", só alguns entenderão. Sei que o fardo não seria mais pesado do que eu daria conta de carregar. Sei que tudo passa. Sei de muita coisa. Mas coisa alguma consegue servir de consolo. Eu não me sinto mais capaz de cuidar dos outros. Nem fisicamente, nem emocionalmente. Tenho medo de deixar quem precisa de um ombro pior. A verdade é que o cansaço me domina e o esforço de manter o otimismo é difícil demais pra mim. Sinto que a cada dia vou falhando...

Ninguém nunca me verá reclamar verbalmente, por isso escrevo. Antes, quando nem isso fazia, eclodiu a doença. Eu sinto dor calada, tomo banho e me enxugo calada, cuido do meu estoma calada, faço os curativos calada, aceito o sumiço de alguns calada. Permito a ausência de outros calada. Vejo minhas poucas perspectivas de um futuro produtivo calada. Só meus dedos falam. E só alguns olhos sabem me ler. E escrevo pra mim mesma. Se alguém leu até aqui, você sim é guerreiro(a). Só aceito dizerem que sou forte quando isso remete ao fato de eu não pedir pra morrer. Mas eu morro. Eu peço. Calada.

Leca Castro - 11/12/13

11 comentários:

Unknown disse...

Boa noite, sou Jully de Curitiba tenho cinco caixas de PENTASA para doar, pois está sem utilidade comigo. Aonde posso entrar em contato por aqui? Obs: estão para vencer em fevereiro

Cleopatra disse...

Leca, lembra de mim? Sinto muito de verdade por tudo q vc esta passando e sei o q esta vivenciando pq infelizmente muitas vezes tb me encontro sozinha qdo mais preciso,mesmo sendo casada. Como queria poder fazer algo para atenuar sua dor, mas não tenho esse poder. Sei bem o que é pedir a Deus para acabar com tudo, mas saiba que vc vai superar, esse é o nosso destino, vencer e superar. Vou estar orando muito por vc. bjsss Cleopatra

Unknown disse...

Nossa, Leca, como vc está agora? Se sente melhor? Esta noite não pude dormir, só chorei e pedi a Deus pra acabar logo com isso. Não tenho mais forças, não consigo mais. Não peço cura, sei que não virá. Estou desistindo... Só queria encontrar um pouco de paz. Só isso. Espero que vc esteja melhor.

Unknown disse...

Oi Leca... Como vc está agora? Se sente melhor? Tbm sou portadora de uma DII. Esta noite não pude dormir, só chorei e pedi a Deus que acabe logo com isso. Não consigo mais seguir em frente, não tenho mais forças... Sei como vc se sente, tbm me sinto sozinha. Não peço cura, sei que não virá. Eu apenas queria um pouco de paz, mais nada. Espero que vc esteja melhor.

Leca Castro disse...

Estou melhor sim. O desânimo ainda existe e luto mais contra ele do que contra a doença em si. Como vc disse, não há cura. Então já desisti de lutar. Apenas convivo com ela e não deixou de aderir ao tratamento. O resto, entreguei mesmo. Espero que fique melhor e se anime um pouco mais. Obrigada pela visita. Beijos!

Anônimo disse...

Oi Leca, achei seu blog hoje num momento de dúvidas e incertezas... e sei o que vc está passando e sentindo. Desde março de 2013 fui diagnosticada com um abscesso no septo reto vaginal e já passei por duas cirurgias para drenagem sem diagnóstico para as biopsias. Na última colono foram vistos pontos de inflamação no intestino, surgiu uma fistula e já operei para correção da mesma. O médico deixou uma espécie de linha para fibrosar. Ainda não se sabe se é Crohn. Ainda não estou bem. Desejo força pra vc!

Anônimo disse...

Olá,

Encontrei seu Blog e tenho lido no intuito de ajudar minha sogra que está passando pelo mesmo que você passo.
Vi que suas ultimas postagens foram em 2013. Está tudo bem?
Não deixe de escrever não, pois com certeza você está ajudando muitas pessoas a entender melhor a doença e como ajudar quem tem.

Força e um grande abraço

Drica disse...

Oi Leca! Encontrei o blog por estar a procura de algumas duvidas, tenho Crohn, faz 2 anos que fui diagnosticada, passo por altos e baixos todos os dias, ando super desanimada, sei que o post é antigo, porém queria contribuir de alguma maneira, também já passei por inúmeros exames e cirurgias. É complicado, quase cruel. Enfim é o destino, me emocionei lendo tuas palavras, é difícil. Estou um pouco confusa emocionalmente, te desejo tudo de bom.Abraco Adriana

Sueli Sumie disse...

Sou a esposa de um portador da doença. Estamos na luta faz 21 anos, e em agosto/2015 meu esposo passou pela primeira cirurgia. Já estamos em outubro e ainda sente fortes dores no corpo e nos olhos. É muito bom poder ler e aprender com vocês que tbém estão nessa situação, quem sabe eu possa ajudar mais...é difícil, as vezes fico ansiosa, muitas vezes vem o choro, fico olhando pro céu e pedindo para Deus libertar ele de todo esse sofrimento.... essas crises que demoram para passar.

Unknown disse...

Oi, eu concordo com suas palavras. Sinto esses mesmos sentimentos. Os "outros" não compreendem a nossa situação. Quando digo que estou cansada, me aconselham dormir. Mas dormir não é suficiente. So entende essas palavras quem passa por isso. Mas nunca desanime. Eu estou so no começo do meu tratamento, sei que tem muito caminho pela frente! Força sempre!

michel wiklich disse...

Tenho a doença de chron já faz 3 anos 5 meses e 10 dias aproximadamente. Acabei perdendo 30 cm do meu intestino delgado, pois nenhum médico descobria o que eu tinha fiquei indo e voltando do hospital para casa.
Teve médicos que diziam que o que eu sentia era coisa da minha cabeça, cheguei a desistir de lutar quando achei que não tinha esperanças e fui para uma mesa fria sem vontade de lutar porquê tinha medo de voltar dela e continuar a sentir a dor que sentia.
Nessa cirurgia que seria de no máximo uma hora foram mais ou menos 6 horas e quando voltei fiquei me perguntando quanto estava o jogo do Corinthians no final do mundial...
Depois de alguns meses de repouso voltei para faculdade e encontrei o meu amor se chama Mariza e é nela que penso quando sinto as crises dessa doença eu paro e penso:
- Tenho que lutar para viver ao lado dela e mostrar o quanto a amo.

Obrigado pelo texto, não me sinto tão só